Para começar, vou questionar essa aparente ligação entre felicidade e muito sexo.
Nem sempre é claro para alguns casais a motivação real pela qual procuram sexo. Na maior parte das vezes não é puro desejo – já ouvi confissões de todos os tipos nesse sentido. Lembro de uma moça que alegava provocar sexo intenso para garantir uma certa dependência mútua na tentativa de precaver traições potenciais. Um rapaz me confessou que buscava mais o sexo, mesmo sem preencher suas necessidades mais profundas, exatamente para compensar uma relação insatisfatória. O que os motivava era medo, ansiedade, carência e necessidade de controle.
Essa associação entre sexo e felicidade é um feito recente na nossa história, coisa de menos de 40 anos. Há pouco tempo a prática sexual era ligada à ideia de restrição, medo, pecado e culpa. Ainda somos herdeiros dessa época em que a religiosidade repressora era uma verdade absoluta, o que quer dizer que nem todo sexo é necessariamente bom ou satisfatório. O casal pode fazer muito sexo e, de modo geral, carregar vergonha do próprio corpo, desconforto com desejos autocondenados e travas emocionais que não levam a nenhum tipo de paraíso orgástico. Logo, sexo não é necessariamente sinal de saúde psicológica de casal.
Pessoas de natureza compulsiva fazem muito sexo (de má qualidade) somente para aplacar uma angústia interna, e mesmo assim não conseguem adormecer o monstro insaciável que age como um estraga-prazeres pessoal – como um viciado precisa de uma dose a mais para obter uma satisfação mínima ou apenas um alívio do mal-estar. De outro lado, a felicidade enquanto capacidade de fluir na vida com certa leveza, fluidez e baixo sentimento de negatividade pode ou não ter o sexo entre os seus principais motivadores.
O ex-geneticista francês Matthieu Ricard é considerado pela Universidade de Wisconsin-Madison o homem com maiores índices de felicidade do mundo graças a detecção de um nível de ondas gama nunca antes relatado na neurociência. Detalhe: há 22 anos, em 1991, foi ordenado monge budista e faz voto de castidade. Você não precisa ser um monge para entender que a felicidade de um casal pode ou não estar ligada ao aumento de prática sexual. Um casal feliz, ao contrário do que se imagina, encontra prazer a dois em múltiplas fontes e em inúmeras outras atividades que não estejam necessariamente ligadas ao sexo. Eles têm a capacidade de se nutrir emocionalmente de boas conversas, passeios incríveis, jantares aconchegantes, festas deliciosas e um convívio familiar acolhedor – o que pode resultar numa bela transa ou apenas numa noite de conchinha.
Eles não medem a capacidade de proporcionar alegria mútua pela quantidade de sexo que fazem, pois com a maturidade, já entenderam que o sexo é uma decorrência de outros fatores, e não o medidor central da conexão que sentem. Sabem lidar com as oscilações de intensidade, frequência e desejo sem aquela afobação típica de casais inseguros que se afligem nas fases de baixa e se julgam em crise. Uma fase de menos sexo pode ser a constatação de uma momento ruim do casal, mas não é uma associação direta e óbvia.
Um casal que faz muito sexo não é necessariamente feliz nem necessariamente um casal feliz faz muito sexo (ainda que seja uma possibilidade), mas o sexo que fazem é de real qualidade, daqueles de lamber os beiços com sabor de quero mais. Mas… não obrigatoriamente.
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